quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

VACINAÇÃO DE CÃES E GATOS

1-Introdução

Antes de nascer, os fetos estão protegidos contra os patógenos por barreiras físicas, fisiológicas e imunológicas, dentro do ambiente estéril do útero da mãe. Ao nascer, são subitamente expostos a uma grande variedade de patógenos potencialmente invasivos, mas ainda estão de certa forma protegidos, através dos anticorpos que recebem da mãe pelo colostro, o que torna os neonatos imunocompetentes.

Conforme vão se desenvolvendo, os filhotes perdem esta imunidade neonatal, mas passam a produzir seus próprios anticorpos, de acordo com os antígenos com que entram em contato. É nesta hora que passa a ser importante o início do programa de vacinação.

É importante a administração correta destas vacinas, seu armazenamento e o manejo dos animais, pois não deve-se administrar vacinas em animais doentes, com vermes, mal alimentados, pois não irão surtir o efeito desejável, ou seja, não irão estimular o sistema imune do animal a produzir anticorpos. Outra observação importante é a não administração das vacinas em animais que estejam sob imunidade passiva, ou seja, que estejam em fase inicial de amamentação ou tenham recebido soro “anti” o microrganismo que está sendo administrado com a vacina, pois anularia o efeito desta.

2- Imunocompetência Neonatal

A placenta de cadelas é do tipo endoteliocorial, o que não permite grande transferência de anticorpos para o filhote. Através da placenta, o feto recebe apenas de 5 a 10% dos anticorpos necessários a sua imunocompetência. Com o nascimento, através do colostro, recebe os outros 90 a 95% dos anticorpos. Através da placenta, o filhote recebe IgG (é a única que consegue ultrapassar a barreira placentária), mas por estar em pouca quantidade, não fornece imunidade significativa. Através do colostro é que o filhote recebe imunoproteção verdadeira. O colostro é rico em IgG (são as imunoglobulinas de resposta secundária, ou seja, são os anticorpos específicos já formados contra certas doenças) e também possui pequena quantidade de IgA (imunoglobulinas de ação local, nas mucosas), macrófagos e linfócitos. O título de anticorpos da mãe será semelhante ao dos filhotes, pois o que ela tiver será transmitido.

Estes anticorpos recebidos pelo leite chegam ao intestino do filhote, onde são absorvidos e penetram no sistema circulatório. A IgG alcança níveis séricos máximos após 12 a 24h após o parto. Essa absorção intestinal está relacionada a receptores específicos, presentes na superfície das células epiteliais intestinais. Essa transferência (absorção) diminui à medida que estas células epiteliais vão sendo substituídas por outras que não possuem esses receptores. Com isso, o nível das moléculas de anticorpos provindas da mãe começa a declinar, através de processos catabólicos normais.
Geralmente, em condições normais, quando a taxa de anticorpos maternos começa a declinar, já começa a aumentar a taxa de anticorpos produzida pelo próprio filhote, ou seja, ele não chega a ficar imuno-incompetente.

Alguns fatores podem interferir no processo de imunocompetência do neonato:
Precocidade da mamada – as primeiras mamadas são as mais importantes, pois é quando o colostro está concentrado, repleto de imunoglobulinas. Se o filhote não mamar este colostro, não recebe uma boa quantidade de Igs e fica vulnerável.

Número de filhotes da ninhada – se forem muitos filhotes, alguns irão mamar menos colostro, ficando mais vulneráveis que os outros, enquanto outros irão ingerir mais colostro que o normal, adquirindo uma super-imunidade (ficarão imunes por um período mais prolongado).

Permeabilidade intestinal – a absorção dos anticorpos no intestino é muito importante. Alguma alteração intestinal que não permita essa absorção deixa o filhote vulnerável a ação dos patógenos.

Grau de contaminação por microrganismos – se o local onde os filhotes estiverem for de pouco asseio, pode ocorrer super-contaminação e os anticorpos não darão conta de proteger o filhote.

Os anticorpos da mãe produzem dois efeitos significativos: protegem o filhote contra patógenos (permitindo que o sistema imune do filhote alcance plena maturidade antes de se confrontar com patógenos invasores), mas também inibem o desenvolvimento das respostas imunes do próprio filhote, pois combatem os invasores antes mesmo de o sistema imune do filhote desenvolver suas próprias defesas (o nível de Igs no organismo é controlado por um mecanismo de feedback, no qual as células B não produzem mais anticorpos do que o necessário, ou seja, se há um número compatível com o normal de Igs circulantes, não há necessidade de produzir mais).

O período crítico para o filhote ocorre entre a 12ª e 15ª semanas de vida (em torno de três meses de idade), quando os títulos de anticorpos maternos estão muito reduzidos, mas o filhote ainda não está produzindo suas próprias Igs. Nesta fase, os anticorpos da mãe, ainda existentes, inutilizam os antígenos vacinais, impedindo a estimulação eficaz do seu próprio sistema imune. Ao mesmo tempo, não há anticorpos suficientes para proteger o filhote de uma infecção real. Por isso, nesta fase, diz-se que o filhote é susceptível a infecção e refratário à imunização.

3- Evolução das Vacinas
Características para que a vacina seja eficaz:
Segura – não pode induzir a doença ou causar a morte;
Protetora – deve proteger contra a doença, expondo o indivíduo ao patógeno (induzindo a formação de anticorpos);
Oferecer proteção sustentada – deve durar vários anos;
Induzir anticorpos neutralizantes – alguns patógenos infectam células que não podem ser substituídas (Ex: neurônios). Os anticorpos neutralizantes são essenciais para prevenir a infecção destas células;
Induzir células T protetoras – alguns patógenos (intracelulares) são atacados mais eficazmente com respostas mediadas por células;
Considerações práticas – baixo custo por dose, estabilidade biológica, facilidade de administração, poucos efeitos colaterais.

Existem vacinas inativadas e vacinas vivas atenuadas. Os vírus vivos (atenuados ou em bactérias vivas), induzem por si mesmos a resposta imune. Os vírus inativos precisam ser aplicados com adjuvantes, que auxiliam a produção da resposta imune As vacinas de vírus vivo são mais eficazes, pois conseguem anular a interferência dos anticorpos da mãe. Neste caso, não é necessária a revacinação. São as vacinas de dose única. Atualmente já dispomos de vacinas recombinantes, que utilizam uma tecnologia nova na produção de imunizantes.

As primeiras vacinas desenvolvidas foram as vacinas vivas, mas eram pouco seguras. A evolução surgiu com a criação das vacinas inativadas, mas que infelizmente não eram sempre eficazes para todas as doenças e muitas vezes precisavam de adjuvantes para ter suas respostas potencializadas. Depois vieram as vacinas vivas atenuadas, mais eficientes do que as primeiras, porém ainda com a possibilidade de reversão à virulência.

Finalmente descobriu-se a tecnologia recombinante, que soma a segurança das vacinas inativadas com a proteção das vacinas atenuadas. Para chegar a esta técnica, foi essencial o avanço das pesquisas genéticas. A vacina recombinante consegue eliminar os patógenos de alto risco das vacinas através da utilização de um “mensageiro vivo”, geralmente outro vírus totalmente seguro, do ponto de vista epidemiológico, para levar o estímulo protetor (os genes que determinam as estruturas antigênicas importantes). Dessa forma consegue-se desenvolver uma proteção igual ou ainda superior nos animais e com muito mais segurança.


4- Programa de vacinação
Para que uma vacina seja eficaz, é necessário que tenha passagens adequadas e massa antigênica adequada. No mercado encontramos vacinas individuais e associadas, com mais de um tipo de vírus na mesma vacina:
Raiva.
Parvovírus + coronavírus.
Cinomose + adenovírus tipo 2 (hepatite e laringotraqueíte) + parvovírus + coronavírus + parainfluenza + leptospirose (dois tipos – duas cepas): é a óctupla.
Adenovírus tipo 2 + parainfluenza + Bordetella bronchiseptica: dose única, uma vez ao ano.
Leptospirose
Tétano: mais usada em animais que convivem em ambiente rural.

O programa de vacinação em cães geralmente se inicia na 6ª ou 8ª semana de vida e é repetido com intervalos de 21 a 30 dias até o 4º mês de vida. Animais que são levados a exposições ou animais de canis devem iniciar o programa mais cedo, na 6ª semana (45 dias). O início precoce também deve ocorrer para filhotes que não mamaram colostro, filhotes de mãe não vacinada e filhotes que estão em ambiente contaminado.

A primeira dose de vacina em cães geralmente é dada com 60 dias, com exceção da anti-rábica que só é dada após 4 meses. Como não se sabe se o filhote respondeu a vacinação de forma adequada, por conta da inutilização dos antígenos vacinais pelos anticorpos da mãe, se faz necessária uma revacinação dos filhotes. Caso não se tenha vacinado o filhote antes deste completar 15 semanas de vida, não é necessário proceder a revacinação. Mas não se deve deixar o filhote sem ser vacinado.

A revacinação até os 4 meses de vida, com intervalos de 3 a 4 semanas, é importante para garantir que o filhote desenvolva imunização ativa, ou seja, que passe a produzir seus próprios anticorpos contra as doenças as quais foi exposto pelos antígenos vacinais. A primeira dose de vacina que o filhote recebe, produz uma baixa qualidade de resposta e é uma resposta de curta duração. Isso porque ainda possui os anticorpos da mãe, que inutiliza a maioria dos antígenos vacinais recebidos. Com a revacinação, o filhote vai produzindo respostas mais efetivas e se tornando imunizado contra as doenças à que está sendo vacinado.

Após a vacinação para cinomose, o filhote começa a liberar anticorpos com 4 a 8 dias. Contra parvovirose, a liberação de anticorpos se inicia após 6 a 9 dias da vacinação.

Em locais infestados por ratos, deve-se vacinar o animal contra leptospirose de 6 em 6 meses. Como na óctupla há antígeno vacinal de leptospirose, usa-se esta anualmente e com 6 meses vacina-se apenas contra leptospirose.

Alguns indivíduos apresentam reação vacinal. Está relacionada a sensibilidade individual e possui incidência de 0,001%. Geralmente os sintomas desaparecem em 24h. Os sintomas são: nódulos no local da aplicação (causado pelos adjuvantes das vacinas inativadas), erupções, febre, edema facial, vômito e diarréia. Faz-se tratamento de suporte, sintomático. Só se deve entrar com antitérmicos se a febre perdurar por mais de dois dias. Em casos muito raros pode ocorrer choque anafilático. Neste caso entra-se com adrenalina (0,5/1ml, IV ou IM). Se perdurar, usar (após 30 minutos) corticosteróide (prednisolona: 50 à 200mg, IV ou IM).

É necessário proceder o controle de endo e ectoparasitos e cuidar da higiene e da nutrição dos animais, para mantê-los sempre saudáveis, evitando uma imunodepressão.

Antes do acasalamento deve-se proceder a vacinação e a vermifugação da fêmea. Não se deve vacinar a fêmea durante a gestação. Se a vacina for vencer durante o período de gestação, antecipe e vacine-a antes da cobrição.

A vermifugação deve ser repetida uma semana antes do parto, com febendazole, pois ele reduz a transmissão placentária e transmamária, é ovicida, larvicida e adulticida. Quando o filhote estiver com 3 semanas, vermífuga-los e repetir a vermifugação da mãe.

4.1- Vacinas:
- Cinomose: As vacinas contra cinomose apresentam de forma geral boa imunidade, no entanto vacinas produzidas a partir de células de cães podem provocar encefalites 10 a 12 dias após a aplicação do produto.

A duração da imunidade é geralmente longa, podendo durar de 02 a 06 anos.
Na Europa e EUA já se recomenda a vacinação a cada 03 ou 05 anos. Esta prática têm levado à surtos de cinomose, pois as pessoas simplesmente esquecem de vacinar o animal. No Brasil, esta recomendação seria perigosa, pois aqui os casos de cinomose são freqüentes.

- Parvovirose: As vacinas modernas são eficazes e seguras, porém várias vacinas comerciais que apresentam proteção no lançamento, perderam eficácia após alguns meses.

- Coronavirose: A vacina contra coronavirose ainda gera muitas controvérsias. A maioria dos pesquisadores consideram esta uma vacina dispensável, pois a doença apresenta sintomas relativamente brandos.

- Bordetella bronchiseptica (Traqueobronquite infecciosa): A imunidade local com produção de IgA é considerada mais importante para proteção efetiva contra a tosse dos canis, sendo assim, existem algumas vacinas de aplicação intranasal, onde há estímulo local para a produção de altos níveis de IgA.
Quando este tipo de vacina é aplicado, há uma multiplicação local de B. bronchiseptica e dos vírus (Parainfluenza e Adenovírus) na mucosa nasal, conferindo resposta imune em torno de dois ou três dias, já as vacinas parenterais inativadas geralmente necessitam de duas doses para determinar alguma secreção de IgA. A Traqueobronquite infecciosa é um problema freqüente nos canis ou em qualquer outra situação onde houver maior número de animais, como nos hotéis para cães e exposições.

- Hepatite infecciosa canina: A vacina com adenovírus do tipo 1, contra hepatite canina, causava ceratite azul (blue eyes – uveite). Por isso passou-se a usar o tipo 2, que além de imunizar contra hepatite, imuniza contra laringotraqueíte.

- Leptospirose: Esta vacina precisa ser melhor estudada. Ela é a maior responsável por reações vacinais, sua eficácia é limitada, sendo hoje recomendada em áreas de risco a cada 06 meses.
Em Nova Iorque, nos EUA, os sorovares pomona e grippotyphosa são os mais comuns e os sorovares canícola e Icterohaemorraghiae são raros. No México existem de 08 à 10 sorovares usados para cães. No Brasil ainda persiste a dúvida de quais sorovares são mais comuns. Geralmente as vacinas utilizadas no Brasil contém o sorovares canícola e Icterohaemorraghiae.

- Raiva: A vacina usada em animais pode ser feita com vírus atenuados, vírus vivos modificados ou vírus inativados de cultura de células. As vacinas mais indicadas para cães são de vírus inativados, pois são mais seguras.

5- Falhas na vacinação
Podem ser causadas por administração incorreta: uso de via errada (vacinas contra bactérias entéricas precisam ser administradas por via oral); morte de bactérias vivas (por falta de refrigeração); administração em animais passivamente protegidos (em amamentação – recebem anticorpos através do leite materno).
Podem ser causadas em administração correta, mas com outros problemas: O animal pode não responder a vacina – pode estar imunossuprimido; pode ter sido administrada antes da imunização passiva; por variação biológica (cada indivíduo responde de um jeito); a vacina pode ser inadequada.
Mesmo que o animal seja respondedor – a vacina pode ter sido dada tardiamente (o animal já estava infectado); a cepa ou o organismo errado estava sendo utilizado; antígenos não protetores utilizados (não produzindo anticorpos).

6- Reações das vacinas
Erros – erro na fabricação (contaminação), erro na administração, toxicidade anormal, virulência residual – causam imunossupressão, doença clínica e morte fetal.

Toxicidade “normal” – febre, mal estar, inflamação, dor. Podem ocorrer normalmente após a administração da vacina.

Resposta inapropriada – hipersensibilidade tipo I (local ou anafilática), tipo II (pode causar anemia), tipo IV (formação de granuloma); reações neurológicas (neurite, encefalite); reações estranhas ao corpo (fibrossarcoma).


7- Conclusão

É importante associar um bom programa de vacinação a um programa de vermifugação, manejo e nutrição adequados. A manutenção da saúde dos animais influi na eficácia das vacinas.

Quanto ao armazenamento, manipulação e administração das vacinas, devem ser seguidas à risca as instruções do fabricante para não prejudicar a eficácia das mesmas.

Mesmo com todo o cuidado e procedendo a vacinação corretamente, alguns animais não respondem de forma adequada e o proprietário deve ser informado deste risco.

As vacinas modernas são eficazes e seguras. Porém, no Brasil a falta de vacinação, o uso de vacinas não testadas, o uso inadequado das vacinas e a aplicação por leigos têm comprometido o esforço para reduzir o número de cães doentes no ambiente.

Existe muito campo para pesquisas e o clínico deve exigir dos fabricantes trabalhos técnicos e bulas com melhores informações.

Um comentário:

  1. melhor artigo que li sobre assunto imunização ; vacinação. vacina raiva não é aplicada por que antes de 4 meses? São imunes?

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